Aqueles que gostam de se instruir nunca são ociosos. Embora não seja encarregado de nenhum negócio importante, sempre estou ocupado (...) Tudo me interessa, tudo me surpreende. Montesquieu, Cartas Persas.
Lembro-me da primeira vez que ouvi a palavra-de-ordem “ensino público de qualidade”. Ou foi em Campinas, ou foi em Brasília. Independentemente do espaço geográfico, era num território do movimento estudantil universitário ligado à União Nacional dos Estudantes (UNE). Muito tempo se passou.
Já naquela época essa fórmula soava muito estranha, pois a todo existente pode-se atribuir qualidades, quer boas, quer ruins. Exigir ensino “de qualidade”, portanto, é uma bobagem falaciosa dado que se há ensino ele tem qualidade. Portanto, a questão, na verdade, é: que qualidade é essa. Qual seu valor concreto?
Nos primeiros dias de fevereiro de 2022 foram noticiadas por diversos meios de circulação de informação algumas avaliações publicadas pela organização “Todos pela educação” (1). Avaliações estas que tiveram como fonte dados coletados e disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) (2).
Entre as muitas e recorrentes notícias ruins sobre nosso qualitativo sistema de ensino temos:
· no final de 2021 (1 ano após o início do fique-em-casismo) duzentos e quarenta e quatro mil indivíduos entre 6 e 14 não tinham acesso a estabelecimentos de ensino;
· no mesmo período, setecentos e dois mil e setecentos indivíduos brasileiros entres 6 e 14 anos estavam em etapa de ensino destinado aos indivíduos de 4 a 5 anos;
· quatrocentos e sete mil e quatrocentos indivíduos entre 15 e 17 anos não estavam frequentando o ensino médio em fins de 2021.
Não obstante, se olharmos no sentido das pessoas que pagam as contas que financiam esse estado de coisas. Observando algumas evidências apresentadas na última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) relativas ao período pré-sarscov2 (2017-2018) chamam atenção as informações apresentadas na tabela 1.
TABELA 1. Despesas familiares com saúde e educação. Brasil. 2017 a 2018.
| BRASIL | URBANO | RURAL | ENS.FUND.INC. | ENS.MÉD.COMP. | ENS.SUP.COMP. |
ENSINO | 120,16 | 111,09 | 9,06 | 28,50 | 30,26 | 36,51 |
SAÚDE | 133,23 | 121,57 | 11,67 | 37,30 | 31,34 | 39,81 |
Fte: IBGE
No período estudado pelo IBGE na POF o brasileiro médio - que possuía renda média disponível de R$ 1.434,15 - desembolsou diretamente R$ 120,16 em serviços ou bens referentes ao ensino e R$ 133,23 relacionados à saúde. Se desagregarmos estes valores, a população urbana (maioria) aloca mais do que a rural. Interessante observar a desagregação por nível formal de ensino. Considerando que se há maior escolaridade a renda aumenta, pode-se inferir que os mais pobres gastam muito mais em relação aos ricos (ensino superior completo).
Esse fato é negativamente potencializado caso nos recordemos quanto cada um de nós é obrigado a pagar aos diferentes governos. No Brasil são três, mas todos com grande apetite e, felizmente, capacidades distantes de cometer atos violentos contra os indivíduos.
TABELA 2. Evolução da Carga tributária Bruta e da tributação indireta como % do PIB. Brasil. 2010 a 2020.
ANO | CARGA TRIBUTÁRIA BRUTA (% PIB) | CARGA DE TRIBUTAÇÃO INDIRETA (% PIB) |
2010 | 32,29% | 14,84% |
2011 | 33,04% | 14,76% |
2012 | 32,72% | 14,68% |
2013 | 32,48% | 14,41% |
2014 | 31,77% | 13,87% |
2015 | 32,03% | 13,93% |
2016 | 32,14% | 13,57% |
2017 | 32,25% | 13,91% |
2018 | 32,57% | 14,28% |
2019 | 32,51% | 13,97% |
2020 | 31,64% | 13,42% |
Também é necessário relembrar que parte significativa do dinheiro que transferimos para os governos brasileiros é coletada no momento em que pagamos por quaisquer bens ou serviços, como arroz, feijão, gasolina, gás, entre outros, por meio da tributação indireta, que tem esse nome para contrapor à expropriação direta na fonte (renda). Dessa forma, quem possui renda menor paga proporcionalmente mais imposto. Por isso alguns dizem que o estado é uma máquina de transferir dinheiro do mais pobre para o mais rico, o que pode ser visto de relance na tabela 1.
Dessa forma, partindo dos dados da POF, o brasileiro médio ali representado, em 2020 pagou aos governos R$ 453,77, sendo que destes, R$ 192,46 foi pago ao comprar qualquer coisa, inclusive bens de saúde e educação. Em outras unidades de medida, seria como se o brasileiro da POF tivesse que trabalhar 116 dias de um ano de 365 para sustentar os governos e suas justificativas.
Estes quase três anos de fique-em-casismo – e este possui muitas formas concretas, mas com objetivos utilitários básicos comuns – aceleraram diversos processos e tornaram evidentes muitos fenômenos que não estavam visíveis ou audíveis para parte significativa da população.
O fracasso do modelo estatal de ensino é evidente há muito e há muito o fracasso se reduz à “defesa do ensino estatal de qualidade”, no entanto, este sempre teve qualidade: ruim para a maioria que arca com os múltiplos custos. O desdobramento de tal “defesa” é: precisamos de mais dinheiro! Mais! Mais!
2022 e os anos próximos que se avizinham propiciarão oportunidade ímpar para mudanças estruturantes no sentido da maioria da população ter acesso a serviços de educação e saúde de boa qualidade. O passo primordial para tal é rever seriamente o totalitarismo estatal nestas áreas da economia. Rever como sinônimo de frear e eliminar.
Se os anos 1980 foram os da “década perdida” graças à impressão desenfreada de dinheiro por parte dos governos brasileiros, os anos 2020 poderão ser os da “geração perdida”? Este é o mais oportuno dos momentos para romper com a repetição dos erros constitucionalizados em 1988.
Conhecimentos necessários e suficientes para nossos filhos, netos e bisnetos serem capazes de viver soberanamente em nosso país e no mundo. Disponibilidade e acesso a serviços e produtos que façam com que nossas vidas e as deles sejam as mais saudáveis possíveis. Estas são dimensões da vida que são muito importantes para que sejam determinadas pelos governos, sindicalistas e similares.
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